Perda da hegemonia da imprensa - a disputa pela visibilidade na eleição de 2018
Apresentação
Esse post contém o material para reprodução do seguinte artigo acadêmico:
- Perda da hegemonia da imprensa - a disputa pela visibilidade na eleição de 2018, escrito em coautoria com Afonso de Albuquerque
- O estudo empírico é um primeiro recorte de uma investigação mais ampla que realizei em minha tese de doutorado Desarranjo da visibilidade, desordem informacional e polarização no Brasil entre 2013 e 2018
- Os dados e script em linguagem
R
estão disponíveis em meuGithub
Problema
Na última década, O Facebook se tornou uma fonte muito imporante de consumo de notícias. O Digital News Report constata duas tendências:
- a televisão e as mídias digitais são os principais meios utilizados pelas pessoas para consumir informações;
- há um declínio constante no consumo de jornais impressos, que caíram quase pela metade nos hábitos midiáticos brasileiros.
Outro ponto importante do relatório é que o Facebook continua sendo o aplicativo digital mais citado para ler notícias, com 53%
, um ponto acima do Whatsapp.
A ideia principal do artigo é a seguinte:
Benkler et al., 2018
, quais foram os atores que tiveram mais visibilidade na eleição de 2018?
A proposta do estudo é lançar um olhar ainda inicial sobre como as publicações sobre política se disseminam na plataforma. Além disso, dialogo com trabalhos sobre desinformação
, polarização
e fragmentação do sistema midiático
ao comparar a posição da imprensa tradicional em relação a atores políticos, iniciativas apócrifas para guerrilha informacional e movimentos sociais de esquerda e de direita.
Dados
Para entender o que aconteceu, fiz um recorte das 30 páginas mais compartilhadas de três categorias:
- imprensa;
- direita; e
- esquerda.
As classificações foram realizadas combinando técnicas de análise de redes sociais
e análise de conteúdo
durante a pesquisa de minha tese de doutorado.
A Tabela 1 resume os dados das páginas inseridas na amostra:
p %>%
select(from_name, tipo, likes, Compartilhamentos, Posts) %>%
mutate(Posts = color_bar("lightgreen")(Posts))%>%
mutate_if(is.numeric, prettyNum, big.mark = ".") %>%
kable(align = "c", position = "center",
col.names = c("Página",
"Categoria",
"Seguidores",
"Compartilhamentos",
"Posts"))
Página | Categoria | Seguidores | Compartilhamentos | Posts |
---|---|---|---|---|
Jair Messias Bolsonaro | Direita | 3.544.385 | 14.931.943 | 533 |
Quebrando o Tabu | Esquerda | 6.536.517 | 13.082.825 | 1609 |
MBL - Movimento Brasil Livre | Direita | 1.898.460 | 10.269.810 | 2237 |
Joice Hasselmann | Direita | 796.683 | 8.473.651 | 1621 |
Lula | Esquerda | 2.741.927 | 5.771.066 | 1258 |
UOL | Imprensa | 3.715.885 | 5.524.763 | 5218 |
República de Curitiba | Direita | 199.630 | 5.378.189 | 826 |
Brasil 247 | Esquerda | 817.372 | 4.348.111 | 6141 |
Folha Política | Direita | 1.459.449 | 4.267.981 | 1913 |
O Globo | Imprensa | 5.163.577 | 4.065.480 | 5013 |
VEJA | Imprensa | 7.034.549 | 4.041.360 | 4563 |
Vem Pra Rua Brasil | Direita | 1.474.126 | 4.031.526 | 878 |
Verdade sem manipulação | Esquerda | 444.548 | 3.952.077 | 3489 |
Mídia Ninja | Esquerda | 1.276.209 | 3.830.119 | 3396 |
Bolsonaro Opressor 2.0 | Direita | 400.429 | 3.787.565 | 886 |
Delegado Francischini | Direita | 1.036.766 | 3.760.147 | 1135 |
O Antagonista | Direita | 657.416 | 3.704.912 | 5995 |
Avança Brasil Maçons.BR | Direita | 814.737 | 3.460.900 | 1338 |
G1 - O Portal de Notícias da Globo | Imprensa | 8.653.826 | 3.333.818 | 3650 |
PROZAC virtual | Esquerda | 1.414.235 | 2.896.808 | 999 |
Estadão | Imprensa | 3.416.805 | 2.856.714 | 5479 |
Revista ISTOÉ | Imprensa | 2.293.101 | 2.634.697 | 3124 |
Meu Professor de História | Esquerda | 477.908 | 2.622.817 | 1501 |
Partido dos Trabalhadores | Esquerda | 1.169.835 | 2.601.766 | 1333 |
Exame | Imprensa | 4.003.281 | 2.567.277 | 4455 |
Revista Fórum | Esquerda | 666.212 | 2.529.496 | 3157 |
Manuela D’Ávila | Esquerda | 271.487 | 2.411.287 | 1483 |
Jovem Pan News | Imprensa | 1.032.207 | 2.016.585 | 2587 |
CartaCapital | Imprensa | 1.809.585 | 1.463.722 | 2279 |
Portal R7 | Imprensa | 13.029.431 | 1.460.648 | 4819 |
Já podemos identificar que nenhuma das cinco páginas com total de compartilhamentos mais alto no Facebook entre agosto e outubro de 2018 foi da imprensa jornalística. O Portal UOL
aparece somente em sexto lugar, porém, com um volume muito alto de posts. Se comparado com Jair Bolsonaro
que precisou de apenas 533 publicações para atingir quase 15 milhões de compartilhamentos, percebemos uma discrepância significativa.
Resultados
Para compreender melhor as frequências, a Figura 1 agrega os dados, calculando o total e a proporção de compartilhamentos de cada categoria.
a <- amostra %>%
group_by(tipo) %>%
dplyr::summarise(n = mean(shares_count)) %>%
mutate(p = n/sum(n)) %>%
ggplot(aes(x=reorder(tipo, p), y=p)) +
geom_col_interactive(aes(tooltip = percent(p), data_id = tipo, fill = "red"),
fill = "#4b82db", alpha = .8)+
labs(x = "", y = "", title = "Declínio da visibilidade da imprensa",
subtitle = "Jornais tem a menor proporção de compartilhamentos\n Páginas de direita e de esquerda são as mais compartilhadas",
caption = "Dados extraídos pela Facebook Graph API")+
geom_text(aes(label= paste0(percent(p), "\nn = ", prettyNum(n,big.mark = "."))),
hjust=-.2, vjust=.5, size = 5, fontface = "bold",
color = "#3d3d3d") +
#scale_y_comma(limits=c(0,150000))+
theme_ipsum_rc(grid="Y") + tema +
scale_y_percent() + coord_flip() +
expand_limits(y = 1)+
theme_ipsum_rc(grid = "Y", # informa linhas de margem
plot_title_size = 24, # tamanho titulo
subtitle_size = 14,
subtitle_face = "italic", # subtitulo estilo fonte
axis_text_size = 20, # tamanho rotulos dos eixos
axis_title_size = 20)
girafe(ggobj = a,
options = list(opts_tooltip(css = "background-color:white;"),
opts_hover(css = "fill:skyblue;")),width_svg = 7, height_svg = 6)
Salta aos olhos o achado que as 10 páginas de direita estudadas atingiram mais da metade de compartilhamentos. Ou seja, conseguiram propagar suas mensagens para mais usuários do que as outras 20 combinadas. As medidas chamam a atenção e ajudam a entender trabalhos anteriores (Telles, 2015
; Alves, 2017
; Penteado e Lerner, 2018
) que abordagem a ascensão das direitas nas mídias sociais.
Na Figura 2 analiso as médias de compartilhamentos, indicando, ainda, as barras de erro.
table <- Rmisc::summarySE(amostra, measurevar="shares_count",
groupvars=c("tipo"))
d <- ggplot(table, ### The data frame to use.
aes(x = reorder(tipo, shares_count),
y = shares_count)) +
geom_point_interactive(aes(tooltip = round(shares_count, 2), data_id = tipo), size = 6, color = "skyblue") +
geom_errorbar_interactive(aes(ymin = shares_count - ci,
ymax = shares_count + ci,
tooltip = tipo, data_id = tipo),
width = 0.2,
size = 0.7, color = "skyblue") + coord_flip() + theme_minimal() +
labs(title = "Direita também possui médias mais altas",
subtitle = "As páginas obtiveram altos valores de disseminação,\ntambém acima das demais categorias",
x = "", y = "Compartilhamentos",
caption = "\nFonte: Facebook Graph API \nNota: Barras de erro representam o intervalo de confiança, \nmedido como duas vezes o erro padrão" ) +
hrbrthemes::theme_ipsum_rc(grid = "X",
axis_text_size = 20,
caption_size = 14,axis_title_just = "center", axis_title_size = 20)
girafe(ggobj =d,
options = list(opts_tooltip(css = "background-color:white;"),
opts_hover(css = "fill:aquamarine;")),width_svg = 7, height_svg = 6)
Novamente, também encontramos grande regularidade nos compartilhamentos das páginas de direita. Mesmo tendo rotinas produtivas mais organizadas e dedicando recursos para a criação de conteúdo e gestão de mídias sociais Alves et al., 2019
, a imprensa jornalística não recebe grande audiência na plataforma.
Implicações
- Por que esses resultados são importantes?
A comunicação político-eleitoral está estruturada em torno de paradigmas fundamentais, entre eles, a centralidade da mídia como espaço de construção das imagens políticas. Esse espaço possui lógicas de atuação institucionalizadas, de um lado, pela cobertura jornalística dos eventos e temas e, de outro, pelos partidos que distribuem tempo e recurso de campanha entre os candidatos, particularmente, o acesso ao Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.
Até recentemente, pesquisas sobre a disputa pela visibilidade na internet vem demonstrando que a imprensa jornalística colonizou a web e possui os portais informacionais mais acessados Hindman, 2008
; e que, entre os políticos, aqueles que ocupam posições de liderança, cargos de destaque e que possuem carreira mais sólida também angariam mais atenção nas mídias sociais Larsson e Moe, 2014
.
Os resultados empíricos dessa pesquisa contribuem para a compreensão de um quadro mais complexo, no qual atores radicalizados capturam a visibilidade e engajam bases de seguidores no compartilhamento das publicações com maior alcance que a imprensa tradicional.