Perda da hegemonia da imprensa - a disputa pela visibilidade na eleição de 2018

Apresentação

Esse post contém o material para reprodução do seguinte artigo acadêmico:

Problema

Na última década, O Facebook se tornou uma fonte muito imporante de consumo de notícias. O Digital News Report constata duas tendências:

  1. a televisão e as mídias digitais são os principais meios utilizados pelas pessoas para consumir informações;
  2. há um declínio constante no consumo de jornais impressos, que caíram quase pela metade nos hábitos midiáticos brasileiros.

Outro ponto importante do relatório é que o Facebook continua sendo o aplicativo digital mais citado para ler notícias, com 53%, um ponto acima do Whatsapp.

A ideia principal do artigo é a seguinte:

Considerando que o Facebook possui dinâmicas próprias de circulação de conteúdos, influenciadas pelos algoritmos e pela curadoria social das pessoas Benkler et al., 2018, quais foram os atores que tiveram mais visibilidade na eleição de 2018?

A proposta do estudo é lançar um olhar ainda inicial sobre como as publicações sobre política se disseminam na plataforma. Além disso, dialogo com trabalhos sobre desinformação, polarização e fragmentação do sistema midiático ao comparar a posição da imprensa tradicional em relação a atores políticos, iniciativas apócrifas para guerrilha informacional e movimentos sociais de esquerda e de direita.

Dados

Para entender o que aconteceu, fiz um recorte das 30 páginas mais compartilhadas de três categorias:

  • imprensa;
  • direita; e
  • esquerda.

As classificações foram realizadas combinando técnicas de análise de redes sociais e análise de conteúdo durante a pesquisa de minha tese de doutorado.

A Tabela 1 resume os dados das páginas inseridas na amostra:

p %>% 
  select(from_name, tipo, likes, Compartilhamentos, Posts) %>%
  mutate(Posts = color_bar("lightgreen")(Posts))%>%
  mutate_if(is.numeric, prettyNum, big.mark = ".") %>% 
  kable(align = "c", position = "center", 
        col.names = c("Página", 
                      "Categoria", 
                      "Seguidores", 
                      "Compartilhamentos", 
                      "Posts")) 
Página Categoria Seguidores Compartilhamentos Posts
Jair Messias Bolsonaro Direita 3.544.385 14.931.943 533
Quebrando o Tabu Esquerda 6.536.517 13.082.825 1609
MBL - Movimento Brasil Livre Direita 1.898.460 10.269.810 2237
Joice Hasselmann Direita 796.683 8.473.651 1621
Lula Esquerda 2.741.927 5.771.066 1258
UOL Imprensa 3.715.885 5.524.763 5218
República de Curitiba Direita 199.630 5.378.189 826
Brasil 247 Esquerda 817.372 4.348.111 6141
Folha Política Direita 1.459.449 4.267.981 1913
O Globo Imprensa 5.163.577 4.065.480 5013
VEJA Imprensa 7.034.549 4.041.360 4563
Vem Pra Rua Brasil Direita 1.474.126 4.031.526 878
Verdade sem manipulação Esquerda 444.548 3.952.077 3489
Mídia Ninja Esquerda 1.276.209 3.830.119 3396
Bolsonaro Opressor 2.0 Direita 400.429 3.787.565 886
Delegado Francischini Direita 1.036.766 3.760.147 1135
O Antagonista Direita 657.416 3.704.912 5995
Avança Brasil Maçons.BR Direita 814.737 3.460.900 1338
G1 - O Portal de Notícias da Globo Imprensa 8.653.826 3.333.818 3650
PROZAC virtual Esquerda 1.414.235 2.896.808 999
Estadão Imprensa 3.416.805 2.856.714 5479
Revista ISTOÉ Imprensa 2.293.101 2.634.697 3124
Meu Professor de História Esquerda 477.908 2.622.817 1501
Partido dos Trabalhadores Esquerda 1.169.835 2.601.766 1333
Exame Imprensa 4.003.281 2.567.277 4455
Revista Fórum Esquerda 666.212 2.529.496 3157
Manuela D’Ávila Esquerda 271.487 2.411.287 1483
Jovem Pan News Imprensa 1.032.207 2.016.585 2587
CartaCapital Imprensa 1.809.585 1.463.722 2279
Portal R7 Imprensa 13.029.431 1.460.648 4819

Já podemos identificar que nenhuma das cinco páginas com total de compartilhamentos mais alto no Facebook entre agosto e outubro de 2018 foi da imprensa jornalística. O Portal UOL aparece somente em sexto lugar, porém, com um volume muito alto de posts. Se comparado com Jair Bolsonaro que precisou de apenas 533 publicações para atingir quase 15 milhões de compartilhamentos, percebemos uma discrepância significativa.

Resultados

Para compreender melhor as frequências, a Figura 1 agrega os dados, calculando o total e a proporção de compartilhamentos de cada categoria.

a <- amostra %>%
  group_by(tipo) %>% 
  dplyr::summarise(n = mean(shares_count)) %>% 
  mutate(p = n/sum(n)) %>% 
  ggplot(aes(x=reorder(tipo, p), y=p)) +
  geom_col_interactive(aes(tooltip = percent(p), data_id = tipo, fill = "red"),
                       fill = "#4b82db", alpha = .8)+
  labs(x = "", y = "", title = "Declínio da visibilidade da imprensa", 
       subtitle = "Jornais tem a menor proporção de compartilhamentos\n Páginas de direita e de esquerda são as mais compartilhadas", 
       caption = "Dados extraídos pela Facebook Graph API")+
  geom_text(aes(label= paste0(percent(p), "\nn = ", prettyNum(n,big.mark =  "."))), 
            hjust=-.2, vjust=.5, size = 5, fontface = "bold", 
            color = "#3d3d3d") +
  #scale_y_comma(limits=c(0,150000))+ 
  theme_ipsum_rc(grid="Y") + tema +
  scale_y_percent() + coord_flip() +
  expand_limits(y = 1)+
  theme_ipsum_rc(grid = "Y", # informa linhas de margem 
                 plot_title_size = 24, # tamanho titulo
                 subtitle_size = 14, 
                 subtitle_face = "italic", # subtitulo estilo fonte
                 axis_text_size = 20, # tamanho rotulos dos eixos
                 axis_title_size = 20)


girafe(ggobj = a, 
       options = list(opts_tooltip(css = "background-color:white;"), 
                      opts_hover(css = "fill:skyblue;")),width_svg = 7, height_svg = 6)

Salta aos olhos o achado que as 10 páginas de direita estudadas atingiram mais da metade de compartilhamentos. Ou seja, conseguiram propagar suas mensagens para mais usuários do que as outras 20 combinadas. As medidas chamam a atenção e ajudam a entender trabalhos anteriores (Telles, 2015; Alves, 2017; Penteado e Lerner, 2018 ) que abordagem a ascensão das direitas nas mídias sociais.

Na Figura 2 analiso as médias de compartilhamentos, indicando, ainda, as barras de erro.

table <-  Rmisc::summarySE(amostra, measurevar="shares_count",
                           groupvars=c("tipo"))
d <- ggplot(table, ### The data frame to use. 
            aes(x = reorder(tipo, shares_count),
                y = shares_count)) +
  geom_point_interactive(aes(tooltip = round(shares_count, 2), data_id = tipo), size  = 6, color = "skyblue") +
  geom_errorbar_interactive(aes(ymin  = shares_count - ci,
                                ymax  = shares_count + ci, 
                                tooltip = tipo, data_id = tipo),
                            width = 0.2, 
                            size  = 0.7, color = "skyblue") + coord_flip() + theme_minimal() + 
  labs(title = "Direita também possui médias mais altas", 
       subtitle = "As páginas obtiveram altos valores de disseminação,\ntambém acima das demais categorias",
    x = "", y = "Compartilhamentos",
       caption = "\nFonte: Facebook Graph API \nNota: Barras de erro representam o intervalo de confiança, \nmedido como duas vezes o erro padrão" ) + 
  hrbrthemes::theme_ipsum_rc(grid = "X", 
                             axis_text_size = 20, 
                             caption_size = 14,axis_title_just = "center", axis_title_size =   20)



girafe(ggobj =d, 
       options = list(opts_tooltip(css = "background-color:white;"), 
                      opts_hover(css = "fill:aquamarine;")),width_svg = 7, height_svg = 6)

Novamente, também encontramos grande regularidade nos compartilhamentos das páginas de direita. Mesmo tendo rotinas produtivas mais organizadas e dedicando recursos para a criação de conteúdo e gestão de mídias sociais Alves et al., 2019, a imprensa jornalística não recebe grande audiência na plataforma.

Implicações

  • Por que esses resultados são importantes?

A comunicação político-eleitoral está estruturada em torno de paradigmas fundamentais, entre eles, a centralidade da mídia como espaço de construção das imagens políticas. Esse espaço possui lógicas de atuação institucionalizadas, de um lado, pela cobertura jornalística dos eventos e temas e, de outro, pelos partidos que distribuem tempo e recurso de campanha entre os candidatos, particularmente, o acesso ao Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.

Até recentemente, pesquisas sobre a disputa pela visibilidade na internet vem demonstrando que a imprensa jornalística colonizou a web e possui os portais informacionais mais acessados Hindman, 2008; e que, entre os políticos, aqueles que ocupam posições de liderança, cargos de destaque e que possuem carreira mais sólida também angariam mais atenção nas mídias sociais Larsson e Moe, 2014.

Os resultados empíricos dessa pesquisa contribuem para a compreensão de um quadro mais complexo, no qual atores radicalizados capturam a visibilidade e engajam bases de seguidores no compartilhamento das publicações com maior alcance que a imprensa tradicional.

Marcelo Alves
Marcelo Alves
Doutor em Comunicação e Professor do MBA de Big Data e Inteligência de Mercado

Comunicador e programador. Entusiasta de histórias contadas a partir de dados. Sou doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).